terça-feira, 2 de novembro de 2010

Da Propaganda e o Cinema nazifascistas à Deleção Sistemática no século XXI: Parte I


O que mais interfere no ‘ecossistema político’, por assim dizer, brasileiro e mundial, é o impacto de noticiários da imprensa, fomentadas, essencialmente, por partidos da direita conservadora e da esquerda dita revolucionária, que são levantadas e divulgadas na rede (nacional e mundial) dos mass media, mas não são provadas judicialmente. Isso causa um impacto jamais visto, pois propaga questões de grande importância, como por exemplo, dossiês e cassações, no entanto, não se preocupam, mais tarde, em reconhecer a veracidade ou o acompanhamento e desfecho das questões tratadas. É um caso corriqueiro nos mass media, entretanto, não é de origem muito recente. Pretende-se que essa espécie de genealogia da propaganda, da desinformação e da ‘deleção sistemática’ em assuntos políticos, ligados primordialmente à intenção paranóica da direita reacionária frente ao avanço dos partidos de esquerda ‘revolucionários’[1] (de acepção mais popular no mundo todo, face ao desenvolvimento de países emergentes) seja traçada a partir das primeiras grandes guerras mundiais.
Uma das questões que atormentaram os pesquisadores das ciências humanas, filósofos e cientistas políticos da primeira metade do século XX, foi claramente desenvolvida por W. Reich: “como a população desejou o fascismo”? G. Deleuze e F. Guattari se preocuparam com essa proposição em suas duas grandes obras sobre o capitalismo e a esquizofrenia, principalmente em “O Anti-Édipo” e, menos intensamente, em “Mil Platôs”:
“É por isso que o problema fundamental da filosofia política é ainda aquele que Spinoza soube formular (e que Reich redescobriu): ‘Porque é que os homens combatem pela sua servidão como se se tratasse da sua salvação?’ Como é possível que se chegue a gritar: mais impostos! Menos pão! Como diz Reich, o que surpreende não é que uns roubem e outros façam greve, mas que os explorados e os esfomeados não estejam permanentemente em greve; porque é que há homens que suportam há tanto tempo a exploração, a humilhação, a escravatura, e que chegam ao ponto de as querer não só para os outros, mas também para si próprios? Nunca Reich mostrou ser um tão grande pensador como quando se recusa a invocar o desconhecimento ou a ilusão das massas ao explicar o fascismo, e exige uma explicação pelo desejo, em termos de desejo: não, as massas não foram enganadas, elas desejaram o fascismo num certo momento, em determinadas circunstâncias, e é isto que é necessário explicar, essa perversão do desejo gregário” (Deleuze e Guattari, s/d:33).
Quais foram os mecanismos, as técnicas e práticas usadas pelo nazi-fascimo que provocaram nas massas o desejo pela sua exploração? De que modo a propaganda fascista, comuns entre os líderes (Führer e Duce) para o controle da população, podem ter sido fundamentais para não só organizar as massas, mas para invocar nelas o desejo pelo fascismo?
Por um lado, toda essa problematização gira em torno essencialmente da técnica de propaganda. Apresenta-se a propaganda, com base na abordagem de H. Arendt, como parte do edifício do poder fascista e nazista ao longo das grandes guerras no século XX. Antes que os líderes das massas tomem o poder para fazer com que a realidade se ajuste às mentiras que proclamam, sua propaganda exibe extremo desprezo pelos fatos em si, pois, na sua opinião, os fatos dependem exclusivamente do poder do homem que os inventa: “os nazistas se utilizaram, no início, de propaganda anti-semita principalmente para assegurar um controle mais firme da população” (Arendt, 1989:391). Paul Virilio em “Guerra e Cinema” afirmou que a “propaganda é a arma favorita de Mussolini”[2].


[1] Reacionários ou paranóicos e revolucionários ou esquizofrênicos são termos utilizados na obra “O Anti-Édipo” de G. Deleuze e F. Guattari, Assírio e Alvim, edição portuguesa para designar os pólos da política suscetíveis ao delírio, que é para eles, universal.
[2] “Como temia Abel Ferry, já em 1914, o poder parlamentar havia desaparecido. “A Propaganda é a minha melhor arma!”, dizia Mussolini (Virilio, 2005:136).

Da Propaganda e o Cinema nazifascistas à Deleção Sistemática no século XXI: Parte II

Por outro, destaca-se a relação que envolve o cinema e a desinformação na II Grande Guerra[1]: os judeus foram pegos por uma implosão da informação que os impedia de compreender o que então se passava, “eles foram os primeiros a não acreditar em seu próprio extermínio. Como narra o diretor de cinema Veit Harlan, Joseph Goebbels tornou-se um mestre na arte da desinformação, da propagação de rumores contraditórios – alguns até mencionavam diretamente o extermínio –, cuja transparência das fontes e documentos fotográficos visavam desvalorizar as informações verídicas” (Virilio, 2005:73). O cinema na II Grande Guerra não deixa de ser uma arma fundamental em seu arsenal, relacionado a desinformação e a propaganda de guerra: “Desde 1914, quando o cinema passa a ter seu papel cívico evidenciado, ele é posto em regime de liberdade vigiada e instala-se um sistema de regulação da produção cinematográfica, segundo os métodos da desinformação empregados na propaganda de guerra” (Virilio, 2005:88). Hitler era literalmente um ilusionista, expert em trucagem de guerra:
“Hitler declara em 1938: ‘As massas têm necessidade de ilusão, elas precisam de ilusão também fora do cinema e do teatro, do lado sério da vida, elas já têm o suficiente. [...] Hitler [...] e seu extraordinário conhecimento técnico nos campos de direção teatral, da trucagem, do mecanismo de alçapões e cenas giratórias e, sobretudo, das diferentes possibilidades de iluminação e de manejo de refletores. [...] Hitler precisou do auxílio de cineastas e de homens de espetáculo, mas sobretudo de homens capazes de transformar o povo alemão em uma massa de visionários comuns” (Virilio, 2005:137-9).
Os bunker da II Guerra eram praticamente set de filmagem:
“[...] o desembarque aliado na Normandia, o ‘East Anglia’ assemelha-se a um imenso set de filmagem: a paisagem é coberta por instalações fictícias, construídas com papelão, borracha e cabos, como os cenários de Hollywood. Criadores imaginativos, como o professor de arquitetura Basil Spence, são cercados por uma multidão de artistas, poetas, técnicos de teatro e de cinema, na realização desse trabalho de desinformação visual. Estúdios célebres, como os de Shepperton, nas proximidades de Londres, se consagrariam pela fabricação de veículos blindados falsos ou navios de desembarque artificiais” (Virilio, 2005:157).
Com origem na tecnologia de propaganda e cinematográfica, como característica principal do ambiente político pós-1945, Paul Virilio diagnosticou a progressão da delação sistemática e da desinformação, com o auxílio das técnicas computacionais no período da globalização. O cinema e a propaganda não são meios de comunicação ingênuos, talvez nunca tenham sido. Ressalta-se a sua origem no nas primeiras décadas do século XX, como um meio de articulação das massas, talvez os instrumentos que fizeram a própria população desejar o nazi-fascismo europeu. A relação entre a guerra e o cinema pode ser visível na ambivalência do soldado e da função motor-câmera:
“[...] o cinema [...] é acima de tudo um olhar sobre o que se move. [...] tudo não passa de um problema de velocidade. O motor-câmera funciona contendo suas energias potenciais, como os colegiais de Pagnol que, para aumentar seu pequeno pátio de recreio, evitavam correr. [...] o soldado tem menos a sensação de ser destruído do que de ser desrealizado, desmaterializado, de perder bruscamente todo o referencial sensível em benefício de uma exacerbação dos sinais visíveis. Estando constantemente sobre vigilância do adversário, o soldado torna-se como o ator de cinema do qual fala Pirandello, exilado da cena e também de si próprio, contentando-se em atuar diante da pequena máquina que, por sua vez, atuará diante de um público projetando sua sombra” (Virilio, 2005: 35-9)
A câmera serve mais para falsificar dimensões do que para produzir imagens, a diferença entre cinema e fotografia está no ponto de vista móvel – velocidades veiculares, o equipamento de filmagem se movimenta: automobilidade cinética. Eis, a câmera-motor... a câmera-arma!




Referências Bibliográficas:


ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia. Lisboa: Assírio e Alvim, s/d.
VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Boitempo, 2005.
_____ A Bomba Informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.